Nova Lei das Licitações

Novos contornos para a inexigibilidade de contratação direta de advogados

Em 01/04/2021, foi sancionada a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), que substituirá a legislação em vigor desde 1993 (Lei nº 8.666/93), bem como as leis do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas.

A nova legislação prevê mudanças significativas ao usual processo licitatório, tais como: a criação nova modalidade de contratação chamada diálogo competitivo; introdução novos tipos de licitação (por maior retorno econômico e maior desconto); possibilidade de arbitragem para solução de controvérsias; afasta desclassificações de licitantes por pequenas falhas; permissão de autenticação de documentos por meios digitais; possibilidade de contrato verbal de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento dentre outras alterações.

Sem o intuito de exaurir a análise das novidades legislativas, releva-se valiosa alteração quanto a contratação de advogado e/ou escritório de advocacia por inexigibilidade de licitação pela administração pública, eis que suprimido o requisito da singularidade do serviço, prevista na Lei nº 8.666/93.

Verifica-se a inexigibilidade de licitação, prevista no art. 25, II, da Lei nº 8.666/1993, é possível na contratação de serviços técnicos – enumerados no art. 13, que inclui o “patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas” – sendo indispensável a natureza singular do serviço. Confira-se o dispositivo da Lei nº 8.666/1993:

 

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (…)

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.

 

Com base no dito artigo, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que é possível a contratação de advogado e sociedade de advogados pela administração pública sem a necessidade de processo licitatório. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) perfilhou o entendimento segundo o qual: “Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional”[1].

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal apregoa que a contratação direta de escritório e/ou profissional de advocacia por inexigibilidade de licitação deve estar lastreada, precipuamente, na confiança em que a Administração deposita no contratado uma vez que este, segundo critérios subjetivos (por exemplo, capacitação técnico-profissional), é o mais apropriado para a execução do contrato[2].

Contudo, muitos eram os questionamentos, pelos órgãos de controle, quanto a legalidade da contratação de advogado ou sociedade de advogados por inexigibilidade, sendo usual a alegação de ilegalidade e necessidade de licitação sob a justificativa de que o serviço jurídico contratado não gozaria da dita singularidade, especialmente diante da ausência de complexidade da matéria.

Nesse sentir, o Tribunal de Contas da União possuía entendimento sedimentado, atestando a ilegalidade de contratações de escritórios com notória especialização acaso não comprovada a singularidade do objeto do contrato, sendo esse requisito indispensável para comprovação da legalidade da inexigibilidade de licitação. Confira-se: [3]:

 

(…) conforme a jurisprudência firmada pelo TCU, a contratação de serviços advocatícios mediante inexigibilidade de licitação é possível se atendidos, simultaneamente, os requisitos da singularidade do objeto e da notória especialização do contratado (acórdãos 3.924/2012 – 2ª Câmara e 2.832/2014-Plenário e decisão 907/1997 – Plenário) ;

 

Porém, já no ano passado relevantes avanços foram verificados, iniciando-se pela publicação da Lei nº 14.039, em 18 de agosto de 2020, que dispôs sobre a natureza técnica e singular dos serviços prestados por advogados e por profissionais de contabilidade. Importante ressaltar que havia veto presidencial ao projeto de lei, por entender que a proposta legislativa era contrária aos interesses públicos e inconstitucional

Porém, o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, por entenderem, os parlamentares, que a contratação sem licitação é um elemento de desburocratização para os gestores públicos. Os senadores argumentaram que o trabalho dos advogados e dos contadores precisa ser de confiança do gestor público que vai contratá-los[4].

De acordo com a Lei nº 14.039/2020, ficou reconhecido, expressamente, que os serviços profissionais de advogado são, “por sua natureza, técnicos e singulares”, sendo introduzido, ao Estatuto da OAB, o seguinte dispositivo:

 

Artigo 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.

Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.”

 

Extrai-se que os serviços de advocacia são necessariamente singulares, independentemente do caso concreto e sua complexidade, sendo presumida a sua singularidade. A Nova Lei de Licitações balizou esse entendimento, deixando de prever a singularidade do serviço nas contratações para patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, eis que naturalmente singular, mantendo apenas a obrigatoriedade de comprovação da notória especialização do profissional ou da sociedade de advogados.

Nesse sentir, a Conselheira Federal da OAB Nacional e Presidente do Observatório Nacional da Nova Lei de Licitações da OAB Nacional, Fernanda Marinela, atestou:

 

Muitas vezes, nossos contratos eram questionados na via administrativa ou judicialmente, pelo Ministério Público ou órgãos de controle, colocando em xeque a tal singularidade. Agora com a nova lei, o legislador não só reafirma o reconhecimento do direito à contratação direta dos escritórios de Advocacia, garantia que já estava prevista na Lei nº 8.666 e que muitas vezes era vilipendiada, mas também reconhece a importância do trabalho desenvolvido pelas Advogadas e Advogados e flexibiliza os requisitos para essa contratação pública.[5]

 

Conclui-se, portanto, que para a contratação de serviços advocatícios pela administração pública mostra-se suficiente a comprovação da notória especialização, o que simplifica a contratação direta e gera maior segurança jurídica na contratação, evitando eventuais debates sobre a legalidade da inexigibilidade por órgãos de controle.

[1] REsp 1.192.332/RS, 1ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 19.12.2013
[2] AP 348-5/SC, Plenário, rel. Min. Eros Grau, DJ 03.08.2007
[3] TCU. ACÓRDÃO DE RELAÇÃO 1650/2018 – PLENÁRIO. Rel. Min. Ana Arraes. Data da Sessão: 18.07.2018.
[4] Fonte Senado Federal
[5] “Nova Lei de Licitações aprimora regras de contratação da advocacia pelo poder público”. Disponível em: < https://www.oab.org.br/noticia/58790/nova-lei-de-licitacoes-aprimora-regras-de-contratacao-da-advocacia-pelo-poder-publico >

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