Artigo | Eólicas Offshore: Panoramas e Desafios no Contexto da Transição Energética

 

O presente artigo aborda a transformação energética, especificamente, como a transição de baixo carbono tem sido realizada pelo mundo, em especial, no Brasil.

Visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa à atmosfera e, consequentemente, diminuir os impactos negativos dessas emissões provocados no meio ambiente, foi assinado, em 1997, o Protocolo de Kyoto, cuja elaboração aconteceu por meio da Conferência das Partes III (órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).

Os cumprimentos dos compromissos estabelecidos pelo protocolo deveriam ser dar no período de 2008 a 2012. Já no período de 2013 a 2020, a redução dos gases de efeito estufa tinha como meta atingir 18% abaixo do nível registrado em 1990.

Mesmo após anos da assinatura do protocolo, a preocupação com a redução da emissão de carbono e, consequentemente, a diminuição do aquecimento global se torna cada vez mais imprescindíveis, razão pela qual se faz cada vez mais importante a transição energética de baixo carbono em todo o mundo.

A necessidade de descarbonização deu início a uma ampla transformação econômica global por meio de diversas políticas de promoção de pesquisa, desenvolvimento e implementação de energia limpa.

Para definição das políticas a serem implantadas, é fundamental compreender como os stakeholders encarregados da implementação das políticas em uma dada localidade são envolvidos, incentivados, capacitados ou mesmo marginalizados.

O efeito de uma política focada na formação de mercado em dado setor terá diferentes impactos em diferentes tecnologias. Um programa de pesquisa pode apoiar o desenvolvimento de uma série de tecnologias, mas não pode apoiar tudo: algo tem que ser pesquisado e algo tem que ser desenvolvido.

O progresso tecnológico em áreas como energia eólica onshore e offshore, energia solar fotovoltaica e baterias de íons de lítio para veículos elétricos, por exemplo, foram gerados por políticas de inovação que impulsionaram a redução de custos e a adoção dessas tecnologias, mas que também envolveram muitas escolhas tecnológicas deliberadas por parte de governos em muitos países ao longo de décadas.

Incentivos e regulações para promover o uso e o crescimento do mercado de tecnologias em estágios iniciais, geraram a redução de custos e aumento do uso de tecnologias-chave na área de energia. Um exemplo de sucesso é a energia solar fotovoltaica, sistema escolhido por diversos países, que embora tenha custo inicial alto, tem custos decrescentes ao longo dos anos.

Outro exemplo de sucesso na transição energética foi a substituição do carvão por energia eólica offshore no Reino Unido. Para cumprir a meta de 10% de sua energia a partir de energias renováveis até 2010, o governo do Reino Unido criou um mecanismo de certificação verde negociável, fornecendo subsídios, além do preço de mercado da eletricidade. Foi introduzida a Renewables Obligation (RO) em 2002, sendo em 2013 substituída por Contratos de Diferenças (CfDs) com preços fixos.

Apenas uma década depois de introduzir o sistema das tecnologias na modalidade de RO, que em sua predominância optou pela eólica offshore, o custo da eólica offshore tornou-se competitivo em relação à geração de combustíveis fósseis e livre de subsídios, representando queda nos custos de mais de dois terços[i].

Algumas regulações e incentivos fiscais, que inicialmente podem elevar os custos sistêmicos, como apoiar novas tecnologias que a princípio seriam mais caras do que aquelas já estabelecidas, podem com o tempo, levarem a reduções profundas de custos dessas tecnologias.

Assim, através da economia de escala, onde quanto maior a produção unitária, menor o custo de cada unidade, políticas focadas em tecnologias específicas tendem a fortalecer diretamente o progresso elevado de uma tecnologia ao longo do tempo. Para tanto, é necessária atenção política, sendo necessários investimentos significativos para progredir em áreas ou setores de difícil descarbonização. Por sua vez, tomada a decisão de apoiar determinada tecnologia, com incentivos financeiros, pode ser necessário agir de forma a garantir a descontinuação dos subsídios, uma vez que os objetivos sejam alcançados.

Outro fator determinante na escolha a ser realizada deve ser a sua adaptabilidade, visando não somente a redução dos custos, mas também a redução dos riscos de impactos distributivos desiguais. Caso as políticas de transição de baixo carbono tenham consequências distributivas, faz-se importante que essas consequências sejam avaliadas e tratadas de forma adequada, pois não considerar tais impactos, pode inflamar a oposição pública, a exemplo do que ocorreu com os impostos sobre o combustível de carbono e o “Gilet Jaunes” (Coletes Amarelos) na França[ii].

É fundamental compreender como os stakeholders encarregados da implementação das políticas em uma dada localidade são envolvidos, incentivados, capacitados ou mesmo marginalizados. A Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), em seu cenário mais otimista, desenha que as energias renováveis devem compor 30% da matriz mundial em 2030. O Brasil hoje tem 48% de sua matriz energética abastecida por fontes renováveis, ante uma média global que próxima dos 14%. Com relação a matriz elétrica, a diferença é ainda maior: 85% da matriz elétrica brasileira é composta por energias renováveis, enquanto a geração elétrica mundial é de, aproximadamente, 30%[iii].

A IEA projeta que apenas 40% das tecnologias necessárias para alcançar as emissões zero em 2050 são atualmente custo efetivas. Para tanto, os investimentos em tecnologias de descarbonização precisam quase triplicar entre 2020 e 2030[iv].

A maior parte da matriz elétrica brasileira atual é composta por hidroelétricas, devido ao potencial para grandes hidrelétricas no Brasil já ter sido majoritariamente explorado e a maior parte do potencial inventariado, ainda não explorado, encontrar-se na Amazônia, região de alta sensibilidade ambiental, que tem metade de sua extensão coberta por áreas legalmente protegidas[v]. Outro fator que foi um ponto de inflexão para busca de novas formas de energia no Brasil, foi a crise hídrica ocorrida em 2001, período de seca que resultou em baixos níveis de geração de energia a partir de usinas hidrelétricas.

Como resposta ao problema, o governo criou Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) em 2002, que teve como objetivo aumentar a participação de pequenas hidroelétricas, biomassa e energia eólica, além de medidas fiscais e regulatórias.

Já em 2004, foi criado o contrato de compra de energia (PPA) para fontes alternativas de energia renováveis, pelo período de 20 anos, a partir do início da operação das usinas, em dezembro de 2011. Com preços superiores aos pagos por usinas hidrelétricas e térmicas, o sistema foi financiado por taxas extras financiadas por usuários do sistema.

A flexibilidade operacional das hidrelétricas também vem sendo debatida com a queda da capacidade de armazenamento dos sistemas hidrelétricos ante a crescente demanda e a maior penetração de energias renováveis de geração intermitente – solar fotovoltaica e eólica. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, as fontes solar e eólica representam os maiores destaques com aumento da capacidade instalada de 102% e 170%, respectivamente, entre 2020 e 2030[vi].

Em 2009, foi criado um leilão específico para fontes alternativas de energia e um leilão exclusivo de energia eólica. Já em 2011, os empreendimentos de energia eólica ganharam contratos em leilões abertos a uma ampla gama de fontes de energia, tornando-se altamente competitivo desde então.

Quase uma década depois, em leilão realizado em dezembro de 2013, o preço caiu para US$ 59,5/MW, ante aos US$ 182,6/MWh de 2004[vii]. Além das políticas de incentivo fiscal, foi disponibilizado pelo BNDS o financiamento de energia renovável como política de fomento da indústria local. Os custos da capacidade instalada de energia eólica caíram 57%, tendo o custo nivelado a energia eólica caído cerca de 70% entre 1999 e 2020[viii].

A cadeia de energia eólica no Brasil gerou mais de 150 mil empregos até 2016, contando com seis fábricas de turbinas e centenas de empresas[ix].

Em janeiro de 2022, para ampliar a política de regulamentação, incluindo parques eólicos offshore, foi editado o Decreto nº 10.946/2022, que regulamenta que a autorização do direito de uso de bens da União em espaços físicos localizados em águas interiores, no mar territorial e o aproveitamento dos recursos naturais na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para geração de energia elétrica offshore que será autorizada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), mediante celebração de contrato de cessão de uso onerosa de bem público, observados certos dispositivos legais.

Em setembro, o Ministério de Minas e Energia abriu duas consultas públicas referentes à geração de energia offshore, que detalham a delegação de competência à Aneel para firmar os contratos de cessão de uso; traz prazos e condições para emissão das Declarações de Interferência Prévias (DIPs), além de apontar critérios de julgamento da licitação de maior retorno econômico pela cessão do prisma.

A Consulta Pública nº 134/2022, trata das normas e procedimentos complementares relativos à cessão de uso onerosa para exploração de central geradora de energia elétrica offshore no regime de produção independente de energia ou de autoprodução de energia, de que trata o Decreto nº 10.946, de 25 de janeiro de 2022. Já a Consulta Pública nº 135, visa a criação do Portal Único para Gestão do Uso de Áreas Offshore para geração.

Paralelamente, o Congresso Nacional analisa o PL 576/2021, do senador Jean Paul Prates (PT/RN). O PL foi aprovado na Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado Federal e aprovado por unanimidade, no dia 17 de agosto de 2022, na forma do substitutivo apresentado pelo relator, Senador Carlos Portinho (PL/RJ, sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados, onde foi apensado ao PL 11.247/2018, que atualmente tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, sob a relatoria do Dep. Zé Vitor (PL/MG).

Por todo o exposto, conclui-se que o amplo recurso eólico marítimo brasileiro pode ajudar na diversificação da matriz energética brasileira. No entanto, para o desenvolvimento da indústria eólica offshore no Brasil é necessário um marco regulatório que designe agências reguladoras, crie regulamentações e proponha incentivos para a atração de investidores.

Por Rodrigo de Freitas Ferreira, advogado, graduado em Direito pela Escola de Estudos Superiores de Viçosa/MG, pós-graduando em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Faculdade Única. Com experiência em Relações Institucionais e Governamentais e assessoramento técnico na Câmara dos Deputados.


 

Notas de Referência:

[i] Dez princípios para a formulação de políticas na transição energética. Disponível em: https://eeist.co.uk/eeist-reports/– Acessado em 10.11.2022.

[ii] Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2018/dec/03/who-are-the-gilets-jaunes-and-what-do-they-want – Acessado em 10.11.2022.

[iii] IEA. Global Energy Review. 2021.

[iv] P. Statistical Review of World Energy. 2021.

[v] EPE. Plano Nacional de Energia (PNE) 2050. 2020.

[vi] EPE. Plano Nacional de Energia (PNE) 2050. 2020.

[vii] Diniz, T. B. (2018). Expansão da indústria de geração eólica no Brasil: uma análise à luz da Nova Economia das Instituições. Planejamento e Políticas Públicas, (50).

[viii] Dez princípios para a formulação de políticas na transição energética – https://eeist.co.uk/eeist-reports/ – Acessado em 10.11.2022.

[ix] Associação Brasileira De Energia Eólica (ABEEólica). (2020). Boletim Anual de Geração Eólica 2019. São Paulo.

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